Redescoberta de nós

“Redescoberta de nós” é um projeto fotográfico que retrata pessoas negras que passaram pelo processo de autorreconhecimento racial, um processo difícil e muitas vezes doloroso, mas que proporciona empoderamento e muitos aprendizados e a esses indivíduos, a partir daquilo que, durante boa parte de sua vida, lhe foi negado ou minimizado. O projeto consiste em, através de uma pesquisa feita com os participantes, coletar informações e depoimentos de quando e como foi, para cada pessoa entrevistada, o processo de “Redescoberta” de sua negritude. Todas as  informações coletadas através dessa pesquisa irão culminar na produção de fotografias dos indivíduos, que trazem à tona o resultado deste empoderamento. 

Desde seu advento, a fotografia é usada, também, para enquadrar as pessoas negras em estereótipos negativos – criados a partir da escravização transatlântica. As pessoas negras são constantemente bombardeadas por estes tipos de imagens, que dificultam o seu processo de autorreconhecimento racial. Por isso, novas representações fotográficas são necessárias, para desconstruir estereótipos negativos, favorecer a representatividade e gerar um sentimento de valorização, fatores fundamentais para a transformação da sociedade, no que tange às questões raciais.

Vivemos em um país onde somos classificados pelo tom de nossa pele, e nós, o povo negro, que segundo os dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, somos 54% da população do país. Que segundo o instituto  é formada por pessoas pardas e pretas. O que nos traz a uma discussão pulsante nos dias atuais, o COLORISMO. Que na sociedade, como diz a jornalista e escritora, Bianca Santana, Colorismo:

 “significa de maneira simplificada, que as discriminações dependem também do tom da pele, da pigmentação de uma pessoa. Mesmo entre pessoas negras ou afrodescendentes, há diferenças no tratamento, vivências e oportunidades, a depender do quão escura é sua pele. Cabelo crespo, formato do nariz, da boca e outras características fenotípicas também podem determinar como as pessoas negras são lidas socialmente. Pessoas mais claras, de cabelo mais liso, traços mais finos podem passar mais facilmente por pessoas brancas e isso as tornaria mais toleradas em determinados ambientes ou situações.” 2018 – REVISTA CULT – Ed. 234

Isso gera muitas dúvidas em uma parcela grande da população negra do país, sobretudo as pessoas negras de pele clara, que como é sabido historicamente, devido a um projeto de embranquecimento da população brasileira, e que ainda está presente perceptivelmente na cultura do embranquecimento no Brasil, como explicita a filósofa Sueli Carneiro

Insisto em contar a forma pela qual foi assegurada, no registro de nascimento de minha filha Luanda, a sua identidade negra. O pai, branco, vai ao cartório, o escrivão preenche o registro e, no campo destinado à cor, escreve: branca. O pai diz ao escrivão que a cor está errada, porque a mãe da criança é negra. O escrivão, resistente, corrige o erro e planta a nova cor: parda. O pai novamente reage e diz que sua filha não é parda. O escrivão irritado pergunta, “Então qual a cor de sua filha”. O pai responde, “Negra”. O escrivão retruca, “Mas ela não puxou nem um pouquinho ao senhor? É assim que se vão clareando as pessoas no Brasil e o Brasil. […]”

Fazendo com que essas pessoas tenham muita dificuldade em se auto reconhecer uma pessoa negra, até mesmo porque no Brasil, culturalmente, a figura do “ser negro” sempre foi vista de forma negativa ou posta de forma perjorativa. 

Diante desses e de muitos outros fatos, no Brasil, é possivel reafirmar as palavras da intelectual Lélia Gonzales:

“A gente não nasce negro, a gente se torna negro.[…]”

Essa cultura do embranquecimento, faz com que muitas pessoas negras passem a vida toda sem se reconhecerem/tornarem-se negras. A discussão sobre colorismo tem trago luz sobre o quem é o negro no Brasil e vem fazendo com que muitas pessoas se “redescubram” negras. Um processo cruel e dolorido que requer aceitação e uma reconstrução de significados para sua existência, aparência e conduta na sociedade. 

Este projeto “Redescoberta de nós” visa jogar luz a pessoas que passaram e ainda estão passando por esse processo de “Redescoberta” a fim de conferir protagonismo a esses negres e suas negritudes, a mostrar o que cada um redescobriu de melhor em si nesse processo.

Um dos diferenciais deste projeto é que o fotógrafo responsável por ele é uma pessoa negra, apesar de sempre se reconhecer como negro por ser retinto, também passou pelo processo de empoderamento de sua negritude em diversas esferas de sua vida,  o que pode facilitar o processo de captação de imagens e depoimentos. Além disso, “Redescoberta de nós” é um projeto de nível nacional, que reforça a importância da luta antirracista e que deve impactar um público relativamente grande em um país com população em sua maioria negra.