Apesar de tudo, estamos aqui!

“Apesar de tudo, estamos aqui!” é um projeto de documentação de famílias negras brasileiras por meio da fotografia. O projeto visa retratar famílias das mais diversas configurações, criando um acervo da família negra no Brasil, a partir de uma amostra de fotografias de famílias das cinco regiões do país.

A escravidão, no Brasil, foi um fator determinante para a destruição e apagamento de famílias negras. Historicamente, sabe-se sobre a separação de casais, de mães e filhos/as e de pais e filhos/as para senzalas diferentes. Muitas dessas famílias nunca conseguiram se reencontrar. 

Além disso, logo após a abolição no país, em 1890, houve uma ordem do Ministro Ruy Barbosa para que fossem queimados todos os arquivos nacionais sobre a escravidão. Conforme publicado pelo jornal O Estado no mesmo ano:

“O Estado de 19 de dezembro de 1890 publicou trechos da ordem, que pedia que os registros sobre servidão fossem enviados para a capital, onde se procederia a “queima e destruição imediata deles”. No documento, o político chamava a escravidão de “instituição funestíssima que por tantos anos paralisou o desenvolvimento da sociedade e infeccionou-lhe a atmosfera moral”. E, dizia que a república era “obrigada a destruir esses vestígios por honra da pátria e em homenagem aos deveres de fraternidade e solidariedade para com a grande massa de cidadãos que a abolição do elemento servil entraram na comunhão brasileira’’.” – Acervo – O Estado de São Paulo

Essa ordem veio ao encontro do desejo de negar a história passada, tão recente, do país e suas violências. Com isso, desde a chegada dos africanos no Brasil, restaram poucos registros de sua vida e de suas famílias, no período anterior à sua chegada e também durante a escravidão.

Estes dois aspectos combinados favoreceram as ideias errôneas da inexistência de famílias negras e de famílias negras como disfuncionais, com pais ausentes e mães que criam apenas os/as filhos/as dos patrões. Ainda gerando o total desconhecimento de sua ancestralidade, impossibilitando o resgate de suas origens africanas.

O projeto tem início no resgate da minha própria ancestralidade, durante o processo de construção da minha genealogia, através de documentos e fotografias familiares. A busca por estes registros me levou a constatação de sua quase inexistência (ausência de fotos dos avós, dos tios, da família reunida) e até mesmo da inexistência de qualquer informação sobre os meus parentes paternos, o que gerou uma lacuna na minha história familiar.

A ausência de registros familiares, me levou a  seguinte reflexão: quantas famílias negras passaram e ainda passam pela mesma situação? Seja de forma consciente ou não, isso contribui para o apagamento da história familiar e, consequentemente, para a continuidade do apagamento da história do povo negro. Essa reflexão fez com que eu decidisse iniciar o projeto “Apesar de tudo, estamos aqui!”.

Desde seu advento, a fotografia atua pela e para a memória. Porém, além dos fatores históricos relacionados à escravidão e à abolição, a fotografia nunca se preocupou em retratar pessoas negras se não em contextos de subalternação, promovendo também o apagamento da sua história.